O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), ignora há quase dois meses recomendações feitas por um grupo constituído por ele mesmo para apurar denúncias de abuso de autoridade contra o diretor e funcionários de uma penitenciária da Paraíba. No dia 28 de agosto, seis integrantes do Conselho Estadual de Direitos Humanos foram presos enquanto vistoriavam as condições da Penitenciária de Segurança Máxima Romeu Gonçalves, o PB1, de João Pessoa. Entre outras coisas, os conselheiros encontraram 80 presos nus amontoados entre poças de fezes e urina. Por determinação do diretor do presídio, Major Sérgio Fonseca, os militantes dos direitos humanos acabaram presos por três horas e só foram liberados após intervenção do Ministério Público Estadual.
Com a repercussão negativa do episódio, Ricardo Coutinho determinou a criação de uma comissão intersetorial, com representantes do Ministério Público, da própria sociedade e do governo, para avaliar a conduta dos militares e agentes penitenciários. No dia 14 de novembro, a comissão entregou suas conclusões ao governador e outras autoridades. Entre as recomendações feitas, está a exoneração do diretor do presídio e a abertura de sindicância pelo Comando-Geral da Polícia Militar para apurar a conduta do major e de outros dois militares. Desde a entrega do relatório, mais de 50 dias se passaram. O governador não sinalizou para a comissão se aceitará ou não alguma das seis recomendações feitas pelo colegiado. Major Sérgio Fonseca continua à frente do PB1.
Procurado pelo Congresso em Foco desde o dia 18 de dezembro, o governo da Paraíba não se pronunciou até agora sobre o assunto. O silêncio incomoda militantes de direitos humanos no estado, que ameaçam romper com o governo. "Se não houver decisão, a gente vai colocar a boca no trombone, porque já superou qualquer razoabilidade. O Conselho deve enviar ofício cobrando providência", defende a ouvidora da Secretaria de Segurança Pública, Valdênia Paulino, que esteve entre os detidos pelo diretor no presídio.
"Questão política"
Presos foram encontrados amontados, nus, entre fezes e urina durante a visita dos conselheiros
"A questão é política, o governador enfrenta as pressões. É inadmissível que um governador de esquerda seja eleito para inovar, tomar posições que correspondam alguma mudança, e ele permaneça inerte diante do que aconteceu. Isso é inadmissível", afirma o professor Rubens Pinto Lyra, um dos integrantes da comissão intersetorial e fundador do Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba.
O relatório com as recomendações ignoradas é assinado por pessoas próximas a Ricardo Coutinho, como seu chefe de gabinete, Waldir Porfírio, e o procurador do Estado, Venâncio Viana de Medeiros Filho, indicados pelo governo para compor a comissão intersetorial.
"Oficialmente, não tivemos retorno. Entregamos pessoalmente ao governador e encaminhamos por ofício ao procurador-geral de Justiça, que já encaminhou para ser distribuído a um dos promotores criminais para o andamento criminal, e para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil", conta o promotor de Justiça Bertrand Asfora, que presidiu a comissão.
O colegiado concluiu que o diretor do presídio e outros dois militares "utilizaram do poder inerente ao cargo de forma abusiva, seja ordenando a prisão dos membros do CEDH de forma abusiva, seja mantendo-os sob custódia sem fundamentação legal". De acordo com o relatório, houve desrespeito à Lei Estadual 5.551/92, que garante livre acesso dos conselheiros às prisões. Depois de autorizado a fazer a inspeção, o grupo não teve garantia de segurança.
Máquina fotográfica
"A comitiva tentou manter o percurso lógico, todavia as celas estavam trancadas, impossibilitando a passagem dos membros até o local mais, onde se aglutinavam cerca de 200 homens", narra o texto. Após se comunicarem com os presos por meio de aberturas de ventilação de uma das paredes, os conselheiros pediram a um dos presos que registrasse, com uma máquina fotográfica por eles repassada, as condições das celas em que ele estava. O repasse da máquina foi repreendido pelo diretor e outros funcionários da penitenciária. Nesse momento, eles foram detidos por ordem do diretor do presídio, de maneira abusiva e ilegal, segundo o relatório da comissão, pois não houve configuração de crime.
"Os conselheiros, no uso de suas atribuições, portavam câmera fotográfica com o fito de registrar imagens das condições existentes no presídio, a fim de subsidiar relatório de inspeção a ser elaborado pela comissão. Tais registros foram efetivamente realizados com a ajuda de um apenado, em virtude do óbice imposto aos membros no que tange ao acesso aos presos", destaca o relatório.
O texto também recomenda ao Executivo que regulamente os artigos 5º e 6º da Lei Estadual 5.551/92, em relação ao livre acesso dos membros do CEDH no interior das unidades prisionais em todo o estado, aplicação de sanções administrativas para quem negar ou impedir a realização de inspeções em presídios, garantia da segurança necessária aos membros do conselho, entre outros pontos. Outra recomendação foi a constituição de um grupo de trabalho composto por representantes de diversas entidades da sociedade para fazer um diagnóstico do sistema penitenciário de custódia no estado.
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